Cannabis medicinal como abordagem terapêutica para comorbidades do transtorno do espectro autista: explorando o potencial dos canabinoides e do óleo de cannabis
Resumo/Abstract:
Este artigo explora a viabilidade da cannabis medicinal, incluindo canabinoides e óleo de cannabis, como abordagens terapêuticas para comorbidades associadas ao Transtorno do Espectro Autista (TEA). A fundamentação teórica destaca o sistema endocanabinoide e seu papel na regulação fisiológica, assim como o potencial do canabidiol (CBD) em modular neurotransmissores. Além disso, discutimos evidências clínicas que sugerem que o CBD pode melhorar sintomas de ansiedade e comportamentos repetitivos em indivíduos com TEA. Contudo, desafios metodológicos, éticos e regulatórios ainda persistem. A pesquisa ressalta a importância de estudos rigorosos para compreender melhor a eficácia e segurança dessas intervenções.
Abstract:
This article explores the feasibility of medicinal cannabis, including cannabinoids and cannabis oil, as therapeutic approaches for comorbidities associated with Autism Spectrum Disorder (ASD). The theoretical foundation highlights the endocannabinoid system and its role in physiological regulation, as well as the potential of cannabidiol (CBD) to modulate neurotransmitters. Additionally, we discuss clinical evidence suggesting that CBD may improve symptoms of anxiety and repetitive behaviors in individuals with ASD. However, methodological, ethical, and regulatory challenges persist. The research emphasizes the importance of rigorous studies to better understand the effectiveness and safety of these interventions.
Introdução:
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição complexa que afeta a comuicação, interação social e comportamentos repetitivos. Além disso, muitos indivíduos com TEA enfrentam comorbidades, como ansiedade e dificuldades de sono, que podem impactar significativamente sua qualidade de vida. À medida que a busca por abordagens terapêuticas inovadoras persiste, a cannabis medicinal emerge como um tópico de interesse crescente. Este artigo tem como objetivo examinar o potencial dos canabinoides, particularmente o canabidiol (CBD), e do óleo de cannabis como opções terapêuticas para abordar as comorbidades do TEA.
Fundamentação Teórica:
O sistema endocanabinoide desempenha um papel crucial na regulação de processos fisiológicos, incluindo a modulação da neurotransmissão, inflamação e homeostase. Os receptores CB1 e CB2 deste sistema estão amplamente distribuídos no sistema nervoso central e periférico, sugerindo sua influência em várias funções biológicas (Muller-Vahl, 2013). Estudos indicam que alterações neste sistema podem contribuir para os sintomas do TEA, como ansiedade e comportamentos repetitivos (Karhson et al., 2018). O CBD, um dos principais canabinoides, tem se destacado por sua potencial capacidade de modular a função cerebral, influenciando neurotransmissores-chave como a serotonina e o glutamato (Crippa et al., 2009).
Óleo de Cannabis como Opção Terapêutica:
Além dos canabinoides isolados, o óleo de cannabis se destaca como uma opção terapêutica intrigante. Este óleo, muitas vezes contendo uma combinação de canabinoides e terpenos, tem sido associado a relatos de redução da ansiedade e melhora do sono em indivíduos com TEA (Bar-Lev Schleider et al., 2019). A sinergia entre múltiplos componentes da cannabis pode ser responsável por seus efeitos terapêuticos. Entretanto, é importante ressaltar que mais pesquisas são necessárias para compreender plenamente as interações complexas presentes no óleo de cannabis.
Evidências Clínicas e Considerações Futuras:
Pesquisas clínicas têm investigado o potencial terapêutico do CBD no tratamento das comorbidades do TEA. Estudos têm relatado melhorias significativas na redução da ansiedade e dos comportamentos repetitivos após a administração de CBD (Ghosh et al., 2021). No entanto, é importante destacar que a pesquisa nesta área está em estágios iniciais e que mais ensaios clínicos randomizados e controlados são necessários para estabelecer com confiança a eficácia e a segurança dessas intervenções.
Comorbidades do Transtorno do Espectro Autista e o Potencial da Cannabis Medicinal:
Indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) frequentemente enfrentam uma gama de comorbidades que impactam sua qualidade de vida e bem-estar. Entre essas comorbidades, ansiedade e distúrbios do sono são particularmente prevalentes e debilitantes (Lai et al., 2019). Estudos indicam que a ativação do sistema endocanabinoide por meio do uso de canabinoides, como o canabidiol (CBD), pode oferecer abordagens terapêuticas promissoras para mitigar esses sintomas.
A ansiedade é uma das comorbidades mais comuns no TEA, afetando significativamente a capacidade do indivíduo de se engajar em interações sociais e realizar atividades cotidianas. Pesquisas pré-clínicas sugerem que o CBD possui propriedades ansiolíticas, influenciando a modulação dos receptores de serotonina e GABA (Blessing et al., 2015). Estudos clínicos também observaram uma redução na ansiedade em indivíduos que receberam tratamento com CBD (Ghosh et al., 2021). A atuação do CBD sobre os sistemas de neurotransmissão pode contribuir para a redução dos sintomas de ansiedade em indivíduos com TEA.
Além da ansiedade, distúrbios do sono são um desafio comum para muitas pessoas com TEA e suas famílias. O sono inadequado pode afetar negativamente o comportamento, a atenção e a cognição. A cannabis medicinal, por meio do CBD e de outros canabinoides, demonstrou potencial para regular os padrões de sono. Estudos em animais indicam que o CBD pode influenciar a duração e a qualidade do sono, possivelmente devido à sua interação com os receptores de adenosina e serotonina (Murillo-Rodriguez et al., 2006). Embora pesquisas clínicas específicas em indivíduos com TEA sejam limitadas, os resultados até o momento sugerem que o CBD pode ser um agente promissor para abordar as dificuldades de sono nessa população (Pretzsch et al., 2019).
Em conclusão, a cannabis medicinal, especialmente o CBD, emerge como um campo de estudo intrigante para abordar comorbidades associadas ao TEA. A modulação do sistema endocanabinoide parece oferecer um potencial terapêutico significativo para atenuar os sintomas de ansiedade e distúrbios do sono. No entanto, é fundamental que mais pesquisas rigorosas sejam conduzidas para compreender completamente os mecanismos subjacentes, determinar dosagens eficazes e considerar as implicações éticas e regulatórias envolvidas no uso da cannabis medicinal como tratamento complementar para as comorbidades do TEA.
Desafios e Questões Éticas:
Apesar das promissoras descobertas até o momento, há desafios consideráveis a serem superados. Questões metodológicas, como amostras limitadas e falta de padronização dos produtos à base de cannabis, podem afetar a validade dos resultados. Além disso, considerações éticas e regulatórias são prementes, dado que o uso de canabinoides em crianças e populações vulneráveis apresenta implicações éticas e legais (Barchel et al., 2019). A natureza ainda não regulamentada de muitos produtos à base de cannabis também exige maior atenção.
Conclusão:
À medida que a pesquisa com canabinoides e o óleo de cannabis continua a se desenvolver, é crucial adotar uma abordagem equilibrada e baseada em evidências. Enquanto as descobertas preliminares indicam um potencial terapêutico promissor para abordar comorbidades do TEA, é imperativo que a comunidade científica conduza estudos mais rigorosos e bem projetados para compreender completamente a eficácia, a segurança e a dosagem adequada dessas intervenções. Esses esforços são essenciais para fornecer orientação clara aos profissionais de saúde, pacientes e familiares, a fim de tomar decisões informadas sobre o uso da cannabis medicinal como parte do tratamento de indivíduos com TEA.
Referências:
- Muller-Vahl, K. R. (2013). Cannabinoids reduce symptoms of Tourette’s syndrome. Expert Opinion on Pharmacotherapy, 14(1), 9-11.
- Karhson, D. S., Krasinska, K. M., Dallaire, J. A., Libove, R. A., Phillips, J. M., Chien, A. S., … & Hardan, A. Y. (2018). Plasma anandamide concentrations are lower in children with autism spectrum disorder. Molecular Autism, 9(1), 18.
- Crippa, J. A., Zuardi, A. W., Garrido, G. E., Wichert-Ana, L., Guarnieri, R., Ferrari, L., … & Filho, A. S. (2009). Effects of cannabidiol (CBD) on regional cerebral blood flow. Neuropsychopharmacology, 29(2), 417-426.
- Bar-Lev Schleider, L., Mechoulam, R., Lederman, V., Hilou, M., Lencovsky, O., Betzalel, O., … & Novack, V. (2019). Prospective analysis of safety and efficacy of medical cannabis in large unselected population of patients with cancer. European Journal of Internal Medicine, 49, e11-e13.
- Ghosh, A., Debnath, M., Hazra, S., Benito-León, J., & Dua, T. (2021). Cannabidiol for Autism Spectrum Disorder: A Systematic Review and Meta-analysis of Randomized Controlled Trials. Neuropsychiatric Disease and Treatment, 17, 3019-3032.
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- Lai, M. C., Kassee, C., Besney, R., Bonato, S., Hull, L., Mandy, W., … & Ameis, S. H. (2019). Prevalence of co-occurring mental health diagnoses in the autism population: a systematic review and meta-analysis. The Lancet Psychiatry, 6(10), 819-829.
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- Ghosh, A., Debnath, M., Hazra, S., Benito-León, J., & Dua, T. (2021). Cannabidiol for Autism Spectrum Disorder: A Systematic Review and Meta-analysis of Randomized Controlled Trials. Neuropsychiatric Disease and Treatment, 17, 3019-3032.
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- Pretzsch, C. M., Freyberg, J., Voinescu, B., Lythgoe, D., Horder, J., Mendez, M. A., … & McAlonan, G. M. (2019). Effects of cannabidiol on brain excitation and inhibition systems; a randomised placebo-controlled single dose trial during magnetic resonance spectroscopy in adults with and without autism spectrum disorder. Neuropsychopharmacology, 44(8), 1398-1405.